Naturais x Selecionadas: Os Impactos das Leveduras nos Vinhos

Se ainda não ouviu falar das leveduras, com certeza conhece o que elas produzem: pão, iogurtes, queijos, cervejas e,…

leveduras nos vinhos

Se ainda não ouviu falar das leveduras, com certeza conhece o que elas produzem: pão, iogurtes, queijos, cervejas e, claro, vinhos. Esses e outros itens passam pelo processo de fermentação com a ajuda destes microrganismos, que estão conosco há mais de 9.000 anos! O registro mais antigo de bebida fermentada vem da China, de cerca de 7.000 a.C., tendo outros relatos desde a Mesopotâmia até a América pré-Colombiana.

O que são e para que servem as leveduras no processo de produção dos vinhos?

As leveduras são microrganismos (fungos) unicelulares que entram no processo de fermentação de uma série de alimentos e bebidas. Existem mais de 300 variedades identificadas, cada uma com suas características próprias de adaptação ao ambiente em que vivem (ou são inseridas) e de resultados de seu “trabalho”.

Mas como as leveduras trabalham, afinal?

Geralmente funcionam em condições anaeróbicas (sem oxigênio), degradando compostos orgânicos que passaram por metabolização, gerando assim energia e outros subprodutos como álcool ou ácidos. As leveduras nos vinhos fazem a fermentação alcoólica, consumindo os açúcares do mosto e convertendo-os então em álcool etílico e dióxido de carbono (CO2). Este último fica retido no processo, no caso dos espumantes, e evaporado nos outros estilos. Geram também diversos outros compostos químicos secundários durante a fermentação, que formam a maior parte dos aromas e sabores que vamos encontrar na taça, ao degustar um vinho.

[Você sabe a diferença entre vinho assemblage e varietal? confira aqui]

A descoberta das leveduras

Como vimos, há milênios a humanidade consome alimentos e bebidas fermentadas. Contudo, houve a observação das leveduras em microscópio pela primeira vez em 1680, e a conexão entre elas e os processos de fermentação só ocorreu muito depois, por Louis Pasteur, em 1857. Depois, quando publicou seu livro “Estudos sobre a Cerveja”, apresentando métodos para controlar o processo de fermentação, revolucionou as indústrias de bebidas fermentadas e deu origem à microbiologia industrial.

Qual é a principal levedura para fermentação dos vinhos?

A Saccharomyces cerevisiae, que tem função na produção de cervejas, é também a principal espécie de leveduras nos vinhos. Porém, hoje outras se destacam entre pesquisadores e produtores, com nomes como Metschnikowia pulcherrima e Torulaspora delbrueckii. Elas podem ajudar a reduzir o crescimento de bactérias indesejáveis e controlar a produção de ácido acético (vinagre), bem como gerar níveis menores de álcool no produto final. 

Uma outra levedura, também pertencente à família Saccharomyces, mas que gera polêmicas quando aparece, é a Brettanomyces spp (ou apenas Brett para os íntimos). Em pequenas quantidades, ela pode adicionar complexidade ao vinho, mas em excesso gera aromas indesejáveis de couro, suor ou estábulo.

Tipos de leveduras utilizadas na fermentação de vinhos

Diferentes leveduras podem influenciar desde os aromas e sabores finais ou a percepção de acidez e corpo do vinho, até o próprio processo produtivo da bebida. Vejamos:

Leveduras naturais ou indígenas

Originárias do próprio ambiente de cultivo e vinificação, as leveduras indígenas estão naturalmente presentes na casca das uvas, bem como no local de produção (se não utiliza-se SO2 para esterilização). Quando um vinho é de fermentação natural, queremos dizer que utilizou apenas leveduras indígenas no processo (sem inoculação externa).

Os vinhos “naturebas”, como são carinhosamente chamados, podem ser muito singulares. Expressam de maneira mais autêntica o terroir de onde vieram, com todos os elementos originais do mesmo ambiente e, geralmente, têm muita complexidade que vale a pena explorar. Costumam utilizar também a agricultura orgânica e biodinâmica, que favorece a biodiversidade de microrganismos e evita pesticidas, dessa forma melhor preservando as leveduras nativas.

Porém, a imprevisibilidade dos microrganismos naturais gera riscos para os produtores, como fermentações lentas e com interrupções por falta de leveduras que se adaptam às condições da vinificação. Podem ainda desenvolver aromas e compostos indesejáveis no vinho devido à presença de bactérias, por exemplo. Os desafios de uma produção por vezes artesanal podem encarecer os vinhos naturais, apesar de haver vários produtores famosos que priorizam esse tipo de processo com sucesso.

Leveduras selecionadas

São cepas de leveduras isoladas, cultivadas e selecionadas em laboratório. Com nomes como Lalvin EC-1118 ou Anchor Vin7, permitem alto controle e consistência na produção, com previsibilidade no processo fermentativo e nos resultados, chegando a acelerar a fermentação, em alguns casos. 

Algumas são específicas para espumantes, determinando a qualidade do perlage (as bolhinhas da bebida) e até os aromas de brioche, típicos do estilo. Outras destacam os aromas de frutas vermelhas em um tinto, notas florais em um branco ou então o sabor de maracujá em um Sauvignon Blanc, especificamente. 

Com esse potencial de customização, não é surpresa que muitos produtores optem por leveduras selecionadas para conseguir um perfil específico em seus vinhos, principalmente em estilos mais jovens e frutados. Além disso, há a segurança comercial que conseguem ter com prazos e resultados mais previsíveis.

Como é feita a escolha de leveduras para cada rótulo

Muitos produtores utilizam a fermentação híbrida: iniciam o “arranque” com leveduras indígenas e depois inoculam leveduras no vinho para perfis específicos. Ou então usam as leveduras selecionadas apenas quando é necessário, devido a algum impacto na variedade de leveduras indígenas, como uma deficiência na safra, temperaturas extremas ou alguma utilização de SO2. 

Há ainda uma tendência de enólogos que fazem “microvinificações”: testes de pequeno volume com variações no processo, para entender seus resultados antes de uma leva de maior volume. De maneira geral, tudo depende da visão do enólogo para o vinho que quer produzir, sua filosofia e estilo de vinificação.

Uma outra escolha enológica tem a ver com o que acontece às leveduras ao final da fermentação. Elas morrem, passando pelo processo de autólise que forma as lias (borras). Os vinhos que mencionam tempo “sur lie” (literalmente, “sobre as lias” em francês) são aqueles que permanecem um tempo em contato com essas borras. Assim, as leveduras adicionam complexidade à textura, sabores e aromas da bebida, mesmo depois de cumprirem seu trabalho.

Conclusão

As leveduras têm um papel central na produção de vinhos. Tanto na fermentação natural, com leveduras indígenas, como na fermentação conduzida, com leveduras selecionadas e, nos casos híbridos, são responsáveis por determinar boa parte dos aromas, sabores, percepção de acidez e corpo do vinho. 

A abordagem natural prestigia mais a essência do terroir e a produção autoral, enquanto do outro lado o foco é a consistência e viabilidade econômica. Agora você pode explorar vinhos produzidos com diferentes processos para ampliar seu paladar e fazer degustações mais atentas a esses detalhes!

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