Café e Vinho: Comparando Processos de Fermentação

O processo de fermentação ocorre com diversos produtos de diferentes naturezas, desde a produção de pães, passando pela produção…

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O processo de fermentação ocorre com diversos produtos de diferentes naturezas, desde a produção de pães, passando pela produção de queijo e iogurtes ou ainda em bebidas alcoólicas e também bebidas não alcoólicas. Café e vinho, assim, são duas bebidas que passam por esse processo. 

Em geral, o processo de fermentação trata-se da utilização de microorganismos que consomem um determinado produto, em geral açúcares, e com isso gera subprodutos como gás carbônico, ácidos, álcoois entre outros. São utilizadas, mais comumente, leveduras e bactérias, que podem estar naturalmente presente no meio, terem inserção de forma intencional.

Neste artigo, vamos entender como funciona o processo de fermentação na produção de café e vinho, suas semelhanças e suas diferenças.

O processo de fermentação 

O exemplo de fermentação que é comum a muitas pessoas é a elaboração do pão, no caso uma fermentação alcóolica.  Nesse processo, adiciona-se aos ingredientes o fermento, que se trata de uma levedura, a Saccharomyces cerevisiae. Elas consomem os açúcares presentes na farinha e também os que eventualmente são adicionados, dependendo de cada receita. Ocorre, portanto, o consumo do açúcar e em decorrência disso liberação de gás carbônico (CO2) e álcool etílico (que naturalmente na cozedura do pão desaparece). 

Em geral, os processos de fermentação tratam-se de reações exotérmicas, ou seja, liberam muita energia e há, consequentemente, um aumento de temperatura do meio em questão. Por isso, é muito importante um controle eficaz desse processo, dependo do produto que se está elaborando para que a temperatura não interfira no resultado final. 

Elementos importantes na fermentação

Nos processos de fermentação, um dos principais fatores de controle é a temperatura. Uma temperatura muito baixa inibe ou inviabiliza o processo fermentativo. Da mesma forma, uma temperatura elevada além de descontrolar o processo fermentativo, pode destruir os microrganismos responsáveis pela fermentação.

Além da temperatura, outros fatores são importantes como a concentração de açúcares que garantirá que haja “alimento” para que os microrganismos envolvidos no processo de fermentação tenham alimento suficiente para completá-la até o ponto desejado. A essa concentração de açúcares há uma medição chamada Graus Brix, cada produto requer um determinado grau Brix para se chegar a um resultado. No caso de produtos oriundos de frutos como café e vinho, a concentração de açúcar está diretamente ligada ao grau de maturação do fruto e, por conseguinte, o momento ideal da colheita.

Cuidados com higiêne

Adiciona-se aos fatores citados como temperatura e concentração de açúcares, a limpeza e adequação do meio para que ocorra a fermentação. Os processos de fermentação podem ocorrer de forma natural na maioria dos ambientes que apresentam condições favoráveis. Porém, quando falamos de uma fermentação como parte de obtenção de um produto, é muito importante que as condições de higiene e de adequação do meio sejam as mais favoráveis possível. 

Isso porque, um meio que não apresente boas condições de higiene pode favorecer o crescimento de microrganismos indesejáveis que poderão interferir principalmente nas características sensoriais naturais do produto em questão. Poderão trazer interferências na cor, no aroma e na textura do produto, tornando-o comercialmente inviáveis ou sanitariamente impróprios para o consumo. 

Portanto, a fermentação é um processo que requer cuidados para a sua realização, mas que pode trazer diversos benefícios para o meio em que está inserido. No caso do vinho, não haveria o produto sem a fermentação, e no caso do café, muitas características têm melhorias com o processo. 

Ainda, é oportuno conceituar que quando falamos de vinho, deve-se entender como o produto fermentado produzido, que é complexo desde o plantio da uva até o engarrafamento da bebida e venda posterior ao consumidor. E, ao café, nos referimos ao beneficiamento do fruto, que segue uma série de necessidades no plantio, até sua secagem e posterior venda, quando ocorre a torra e a aplicação de diferentes métodos de preparo da bebida.

 Café e vinho: o que eles têm em comum?

Aroma e sabor, sem dúvida, são um dos principais fatores que trazem semelhanças entre café e vinho. Tanto quem aprecia, e até mesmo quem não gosta, fala do ótimo aroma quando a bebida do café está sendo preparada.  Assim como quem aprecia vinho, na análise olfativa, antes mesmo de conhecer o sabor, é possível perceber diversas características de qualidade ou defeito do produto. Tanto o café quanto o vinho, têm o seu conceito de qualidade atrelado ao aroma, sabor e cor, ou seja, características organolépticas.

Esses não são os únicos pontos de convergência que aproximam café e vinho; o processo de elaboração e controle minuciosos do fruto é uma outra característica fundamental que os une. Não é possível elaborar um bom vinho sem um fruto bom e, da mesma forma, um bom café está sujeito a características cruciais do seu manejo, que irão interferir no resultado.

O conceito de terroir, que é comumente atrelado ao vinho, também se aplica, em igual importância, ao café. O terroir (que diz respeito uma série de fatores como clima, solo, altitude, amplitude térmica, quantidade de chuva, microclima da região), junta-se aos fatores atrelados ao manejo como tipo do fruto, tipo de plantio, tipo de rega, tipo de colheita, além dos processos de produção e manufatura. Todos esses elementos, isoladamente e combinados, terão o poder de interferir na qualidade final do fruto o que, por conseguinte, irá interferir no produto final.

Impacto nos produtos finais de café e vinho

Tanto no vinho como no café, qualquer um dos fatores acima que se modifique ou que fuja da normalidade poderá trazer consequências ruins ou até catastróficas para o resultado do produto. A etapa da produção do fruto, seja da uva no vinho, seja no grão do café, é uma etapa extremamente importante para a qualidade final que se espera. É praticamente impossível produzir um bom vinho ou um bom café se as etapas do plantio, maturação, colheita e beneficiamento derem origem a um fruto ruim. Esses são pontos que se assemelham entre café e vinho. 

Além dessas semelhanças, que são importantes serem colocadas, ambos produtos podem passar por processo fermentativo. O vinho como etapa crucial, já o café como uma forma de melhoria da qualidade do produto final. Não existe vinho sem fermentação, mas pode existir café sem processo fermentativo (feito de maneira intencional e com controle).

Por que o vinho passa por processo de fermentação?

Por definição, segundo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) o vinho é “a bebida obtida da fermentação alcoólica do mosto da uva fresca, sã e madura”. Com isso, podemos afirmar que não existiria vinho se não houvesse fermentação. Caso contrário, seria apenas suco de uva.

A ocorrência da fermentação do mosto (sumo) da uva é justamente o que o tornará em vinho. Como já foi explicado anteriormente, o processo de fermentação, no caso alcoólica, consiste na presença de leveduras e bactérias que irão se alimentar dos açúcares presentes na uva, sobretudo frutose, e irão se transformar em álcool e gás carbônico. 

Início do processo

 Essa é, sem dúvida, uma das etapas mais importantes na elaboração do vinho e que requer muitos controles e cuidados. Antes que nessa etapa se inicie é importante garantir que as uvas alcançaram a maturação correta a ponto de concentrar os açúcares nos graus Brix pretendidos. Um grau Brix é o equivalente a um grama de açúcar por 100 gramas de solução ( 1% de açúcar). 

Geralmente, os vinhos são elaborados em uma concentração entre 20 e 28 graus e isso dependerá de fatores como o clima da região, o vinho que se pretende elaborar, o processo de vinificação que ele será submetido. Em linhas gerais, o grau alcoólico é aproximadamente metade do valor de brix, ou seja, um vinho com 22 de graus brix, tenderá a originar um vinho com cerca de 11 graus alcoólicos. 

A fermentação das uvas ocorre pouco tempo após a colheita, tendo apenas etapas de desengaçamento (retirada dos esgaços) e esmagamento (rompimento das cascas das uvas e liberação do mosto). 

Dependendo da natureza do vinho, os processos são mais ou menos controlados. Em geral, vinhos brancos que são mais delicados requerem um controle de fermentação mais apurado que os vinhos tintos.

Reações 

No vinho, há dois tipos de fermentação que podem ocorrer dependendo do processo de elaboração e dos cuidados. A fermentação alcoólica é chamada de primeira fermentação; a segunda fermentação que pode ocorrer é a fermentação malolática. A fermentação alcoólica transforma os açúcares, frutose e glicose em álcool etílico e CO2, já a fermentação malolática é a transformação do ácido málico em ácido lático. 

Em geral, a fermentação dos vinhos inicia de forma espontânea, por conta da presença de leveduras presentes na própria casca da uva. Esse processo pode sofrer a adição de mais levedura quando se acredita que as já presentes terão a força suficiente para transformar todo o açúcar em álcool no tempo desejado. Também pode não haver a adição de leveduras, como é o caso de vinhos orgânicos ou bio, que levam mais tempo para completarem o processo de fermentação.

O objetivo nessa etapa é justamente alcançar a concentração de álcool que se pretende, ou a diminuição do açúcar ao nível esperado. E nesse caso, são coisas diferentes. Regiões que são mais quentes tendem a concentrar mais açúcares nas uvas, o que tende a originar, em geral, vinhos mais alcoólicos. Caso contrário, os vinhos teriam alto residual de açúcar tornando-os mais doces. 

A segunda reação é oriunda das bactérias láticas presentes no vinho que irão transformar o ácido málico em ácido lático, um ácido com sabor mais suave e que confere características desejáveis ao vinho. É comum que essa fermentação seja induzida quando os níveis de acidez são elevados, com características de sabores mais agressivas. Ao ocorrer a fermentação malolática, o vinho tende a ser mais suave, com aspectos de sabores mais agradáveis e untuosos.

Aromas e sabores

É também nas etapas de fermentação que as reações químicas que dão origem aos sabores e aromas. Diferente do que muitas pessoas pensam, os aromas do vinho não são oriundos de nenhuma inserção de outros produtos. Eles acontecem apenas por conta da complexidade de elementos presentes no mosto das uvas, que quando são submetidos ao processo fermentativo começam a combinar entre si, originando elementos olfativos e de sabor. 

Tempo e temperatura

O tempo de fermentação no vinho pode variar de acordo com cada uva e outros fatores. Em geral, para vinhos brancos a fermentação pode ocorrer de 4 a 7 dias. No caso dos tintos, pode variar de 1 a 3 semanas, dependendo das características que se deseja acentuar. 

Em termos de temperaturas de controle fermentativo, os vinhos tintos fermentam entre 24°C e 32°C, enquanto os brancos fermentam entre 14°C e 18°C. É importante destacar que abaixo de 5°C a fermentação não ocorre e acima de 35°C as leveduras podem ser danificadas. Os valores de pH, índice ligado à presença de ácidos no vinho, podem variar entre 3 e 3,8 dependendo do tipo de vinho.

Quando o café passa por processo de fermentação?

O café durante muito tempo teve o processo de fermentação muito mais associado com a degradação dos frutos do café. O resultado eram frutos ardidos, sabores amargos que comprometem a classificação desses produtos. Tratava-se de uma fermentação sem controle que danificava o fruto e compromete a qualidade.

Porém, com o advento da apreciação de cafés especiais e a maximização dos aromas e sabores do fruto do café, a fermentação mostra-se um processo muito importante para o aumento da qualidade do grão e, por consequência, da bebida.

A fermentação inserida no processo de beneficiamento do grão do café acontece no pós-colheita, logo após a escolha e separação dos frutos. É importante nessa etapa submeter apenas os frutos em cereja à fermentação, com isso, separar os secos e os verdes.

Essa fermentação pode ocorrer com ou sem presença de oxigênio, ou seja, em fermentação aeróbica ou anaeróbica, respectivamente.

Os diferentes tipos de fermentação do café

Na fermentação aeróbica, expôe-se os grãos ao oxigênio, permitindo a ação de microrganismos aeróbicos. Como benefício, há a formação de um sabor mais limpo e brilhante, com notas frutadas e cítricas. Além disso, há uma redução da acidez que resulta em uma bebida mais suave. Esse processo ocorre de forma mais rápida e geralmente ocorre em grandes produções.

Já a fermentação anaeróbica, quando não há presença de oxigênio, os grãos podem ser submersos em água ou em um ambiente com pouco oxigênio, favorecendo a proliferação de microrganismos anaeróbios. Em geral, isso gera um sabor mais complexo e intenso, com notas de frutas maduras, chocolate e especiarias. Além disso, essa fermentação aumenta a acidez, proporcionando um café mais vibrante e estruturado. Em contrapartida, a fermentação aeróbica é um processo mais lento, e dessa forma permite maior controle do sabor e do aroma.

Há ainda a fermentação induzida que significa adicionar microrganismos específicos para controlar o processo fermentativo, criando perfis sensoriais distintos.

A maceração carbônica, que também pode ocorrer em alguns vinhos, é uma técnica inovadora que utiliza dióxido de carbono para inibir a fermentação aeróbica. Esse processo exalta as características frutadas e florais do café.

Por fim, a dupla fermentação, que combina a fermentação seca e úmida, busca o equilíbrio entre acidez, doçura e complexidade.

Os microrganismos, em condições controladas, atacarão a mucelagem do grão do café e o submeterão a um processo de degradação dos açúcares, proteínas e polifenóis. Geralmente trata-se de fungos e leveduras que irão produzir enzimas e ácidos orgânicos e darão origem a características sensoriais extremamente desejáveis, como aromas complexos e sabores mais palatáveis.

Tempo e temperatura

Em ambiente controlado, as fermentações acontecerão nos seguintes tempos: fermentação anaeróbica entre 12 e 72 horas; fermentação aeróbica entre 12 e 48 horas. As temperaturas de fermentação para o café são similares a alguns vinhos variando entre 18 a 20 ºC.

A fermentação do café em si não é algo novo. Porém, o uso da fermentação de forma controlada e proposital é algo que traz excelentes resultados para os consumidores de café. 

Desenvolvimento de aromas e sabores no café e vinho

Tanto no café como no vinho, a fermentação favorece o aparecimento de aromas.

No caso do vinho, a uva carrega em si os aromas que consideramos primários, relativos aos aromas florais e frutados. Há também os aromas secundários, que estão relacionam-se diretamente à fermentação, tais como pão, leite e manteiga. E, por fim, os terciários que têm relação com o envelhecimento e guarda do vinho e podem ter evidência pelo contato com madeira. São aromas de tabaco, frutas secas, caramelo, entre outros.

Os sabores do vinho estão ligados às notas olfativas que podem ou não se confirmarem no paladar. Tanto as questões olfativas quanto as gustativas dependem de uma série de fatores que podem apresentar alternância de pessoa para pessoa, de vivências para vivências.

Nos casos do café e vinho, é difícil quantificar o número de aromas que podem se acentuar. O que se sabe é que o processo de fermentação intensifica os aromas. Com a fermentação, é possível destacar aromas florais, frutados e herbais. Notas de frutos cítricos, maçã, damasco, frutas vermelhas, coentros também aparecem. 

Há ainda, no café, aromas relacionados com o processo de torra, que são os aromas de caramelizarão, uma vez que o calor extrai óleos essenciais. A esse processo podemos ligar a aromas de caramelo, chocolate, mel, nozes e baunilha.

Conclusão 

 Com isso, podemos verificar que o processo de fermentação é uma etapa fundamental tanto na elaboração do vinho, quanto na elaboração de um bom grão de café.

O controle do processo fermentativo é um dos principais atributos que garantirá a qualidade dos produtos. Dentro desse controle, a temperatura, o pH, a quantidade de açúcares disponíveis e as questões de higiene são fatores que influenciam no bom desenvolvimento da fermentação.

O resultado de uma fermentação bem feita são aromas e sabores que tornarão um produto ainda mais complexo em suas características organolépticas, elevando sua qualidade.

Créditos da imagem: Agência WR2.

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