O que é dupla poda?

Também conhecida como poda invertida, essa técnica consiste na transferência da safra do verão para o inverno

dupla poda

A produção de vinhos finos de alta qualidade no Sudeste brasileiro, especialmente na região da Serra da Mantiqueira, tem sido possível graças à dupla poda, uma técnica inovadora, também conhecida como poda invertida.

Pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), desenvolveram e aprimoraram essa técnica que desafia o ciclo tradicional da videira.

Isso porque essa prática consiste na transferência da safra do verão para o inverno, ajustando as condições ideais para a maturação e colheita da uva, com objetivo de obter frutos sadios e de alta qualidade.

O que é a técnica da dupla poda?

Para realizar a dupla  poda é preciso inverter o ciclo da videira, fazendo duas podas no ano, e, transferindo assim, a colheita que naturalmente seria no verão para o inverno. 

Por isso, o nome “vinhos de inverno”. Lembrando que, embora existam dois ciclos vitícolas, ocorre apenas uma colheita no ano.

Por que inverter o ciclo das videiras?

O ciclo tradicional da videira culmina com sua colheita no verão, entretanto, para a região Sudeste do país, este período carrega uma série de desafios, principalmente o calor excessivo acompanhado de muita chuva, fato que praticamente impossibilita a produção de frutos sadios e equilibrados.

Contudo, no inverno, especialmente na região da Serra da Mantiqueira, as uvas encontram as condições perfeitas para seu desenvolvimento. Há menor índice de chuvas e alta amplitude térmica, ou seja, manhãs quentes e ensolaradas, e noites mais frescas.

Essa diferença de temperatura durante o dia é essencial para garantir o equilíbrio dos compostos fenólicos presentes na uva, resultando em frutos de alta qualidade e complexidade. 

Além disso, o risco de doenças fúngicas e outras pragas é praticamente nulo no período seco, que coincide com a maturação e com a colheita.

Quem inventou a dupla poda?

A técnica da dupla poda começou a ser testada no início de 2000, como pesquisador da Epamig, Murillo de Albuquerque Regina. Ele encabeçou esses testes quando retornou de um pós-doutorado na França. Além do conhecimento, o engenheiro agrônomo trouxe em sua ‘bagagem’ mudas francesas da uva Syrah para iniciar sua pesquisa.

Murilo explica que durante seus estudos notou que as condições para a produção de vinhos finos na Europa eram semelhantes às características encontradas durante o inverno no sul de Minas Gerais, na região da Serra da Mantiqueira. 

Após muitas experimentações e aprimoramento da técnica, o projeto foi bem-sucedido, tendo a Syrah como a casta que melhor se adaptou à prática.

Como é feita a dupla poda?

Para “enganar” o ciclo da videira e inverter a safra são realizadas duas podas anuais, sendo uma de formação e outra de produção

A primeira ocorre no inverno e, como o próprio nome indica, é para formar os ramos. Já a segunda, no início do verão, chama-se poda de produção, a qual fará com que a produção seja deslocada para o inverno.

Poda de formação

Com esse método, a primeira poda acontece após a colheita de inverno, em meados de agosto/setembro, conforme ocorre na viticultura tradicional. Acontece então uma poda curta de formação de ramos, mantendo nas plantas apenas esporões com uma gema.

Assim, a videira iniciará normalmente um novo ciclo, produzindo pequenos cachos que não chegarão a se desenvolverem completamente. Elimina-se em outubro/novembro, para que depois, no verão, se realize a etapa seguinte que é a poda de produção.

Poda de produção

A poda de produção ocorre no verão, nos meses de janeiro-fevereiro, e é a preparação da planta para a safra seguinte. 

Nesse momento, remove-se os sarmentos (sistema vegetativo da videira) que estão fracos ou mal localizados. Mantendo apenas os mais fortes, e limitando a produção a fim de melhorar a qualidade das uvas com frutos mais concentrados. 

A colheita das uvas ocorre entre os meses de junho a agosto (no inverno), dependendo das diferentes variedades de uva, já que cada casta possui um período de maturação diferente, entre as mais precoces, intermediárias ou tardias.

Entendendo os benefícios da dupla poda

A implementação da técnica dupla poda na viticultura brasileira traz consigo uma série de vantagens.

  • Reduz a carga da videira: removendo brotos e cachos em excesso durante a poda de formação, resulta em uvas mais concentradas. Com menos cachos competindo pela energia da planta, as uvas tendem a desenvolver aromas e sabores mais intensos, contribuindo para a complexidade do vinho final
  • Maturação lenta: a inversão da época de maturação e colheita para um período mais seco e de amplitudes térmicas mais elevadas. Isso permite uma maturação lenta e uniforme das uvas, o que resulta em frutos de melhor qualidade, com níveis equilibrados entre açúcar, acidez e outros compostos fenólicos. Fatores que no final, traduzem-se em vinhos mais complexos, estruturados e elegantes.
  • Produção mais saudável: A menor incidência de chuvas no inverno também contribui para a diminuição do surgimento de fungos e bactérias. Assim há redução do uso de agrotóxicos e promoção de uma produção mais sustentável e de menor impacto ambiental.

Outro ponto importante é o fato da dupla poda abrir espaço para a criação de novos rótulos de vinhos nacionais, explorando variedades e estilos inéditos, enriquecendo o panorama da vitivinicultura brasileira com vinhos cada vez mais reconhecidos e premiados tanto no país quanto no mercado externo.

Desafios

Embora a dupla poda apresente diversos benefícios, sua implementação exige planejamento, conhecimento técnico e manejo preciso da videira. Demandando treinamento e ajuste às características de cada região. 

A adaptação da técnica às diferentes variedades e condições climáticas requer pesquisa e experimentação constantes. Afinal nem todas as variedades de uva se adequam a esse método, sendo necessário selecionar as mais adequadas para cada terroir.

Além disso, investimentos iniciais em infraestrutura, bem como em capacitação de mão de obra e aprimoramento das técnicas de manejo são aspectos essenciais para o sucesso da dupla poda em maior escala.

Impacto econômico e de produção da dupla poda

A técnica da dupla poda pode ter um impacto significativo na viticultura, tanto na produção quanto na economia.

Quando falamos da produção, a dupla poda é essencial para produzir vinhos finos de qualidade, em regiões vinícolas que enfrentam desafios climáticos significativos. 

Com essa prática, abre-se um leque de possibilidades para a viticultura nacional, expandindo horizontes e impulsionando a produção de vinhos excepcionais.

Com início no sul de Minas Gerais e norte de São Paulo, a aplicação da dupla poda expandiu-se para regiões de outros estados. Como no centro da Bahia, na Chapada Diamantina, e também introduziu novos projetos em Goiás, Mato Grosso, no Distrito Federal e Rio de Janeiro. 

Em termos econômicos, vale apontar que o investimento para a implantação da dupla poda é considerável. Adotar este método pode exigir aportes adicionais em mão de obra e equipamentos, bem como um planejamento cuidadoso para garantir que a realização da técnica no momento certo e de forma eficaz. 

Contudo, todo o cuidado e investimento refletem em produtos de qualidade superior e, consequentemente, permitem aos produtores obterem preços mais valorizados para seus rótulos.

Dupla poda: revolucionando a viticultura brasileira

Desenvolvida como uma resposta aos desafios impostos pelo clima tropical, a técnica da dupla poda desafia o ciclo natural da videira, permitindo a produção de uvas de alta qualidade no Sudeste brasileiro.

Aprimorada por pesquisadores da Epamig, essa prática, que transfere a safra do verão para o inverno, abre um leque de possibilidades para a viticultura nacional. 

Ela expande os horizontes e impulsiona a produção de vinhos excepcionais, colocando de vez o Brasil em rota de destaque no cenário vitivinícola internacional.

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