Vinhos e inverno: dicas para escolher vinhos em dias frios
Com o friozinho realmente chegando em muitas regiões, aumenta aquela vontade de comer bem, ainda mais com a companhia…
Com o friozinho realmente chegando em muitas regiões, aumenta aquela vontade de comer bem, ainda mais com a companhia de um bom vinho. Nessa época, a preferência pelos tintos dispara e sempre vem a pergunta: quais são os melhores vinhos para harmonizar com as comidas do inverno?
Veremos que existem mais cores na paleta para “escoltar” massas, risotos, carnes e outros pratos campeões para aquecer um belo almoço ou jantar nessa época. Também iremos repassar algumas regrinhas básicas para aprender a combinar qualquer comida com nossa bebida preferida (e vice-versa). E, claro, vale lembrar que muitas vezes o melhor acompanhamento para um bom vinho são as pessoas que mais gostamos, bebendo conosco! Vamos nessa?
Neste artigo você vai ver
- 1 Escolher primeiro a comida ou o vinho?
- 2 Existe um vinho ideal para tomar no inverno?
- 3 O que é harmonização de comida com vinho?
- 4 Regras de harmonização para escolher como um(a) profissional
- 5 Exemplos de harmonização de vinhos com comidas de inverno
- 5.1 Fondue de queijo, massas com molhos brancos ou recheadas e pizzas com queijo
- 5.2 Fondue de carne
- 5.3 Massas com molho vermelho leve (ao sugo ou bolonhesa)
- 5.4 Massas com molhos vermelhos mais encorpados e lasanhas
- 5.5 Pratos com carnes grelhadas como protagonistas
- 5.6 Carnes ensopadas
- 5.7 Caldos e sopas
- 5.8 Risotos e pratos à base de arroz
- 5.9 Sobremesas
- 5.10 Para tomar sem comida
- 6 Afinal: vinhos DE inverno ou vinhos PARA inverno?
- 7 Conclusão
Escolher primeiro a comida ou o vinho?
Essa é uma daquelas dúvidas que fazem lembrar da “lei de Tostines”. Essa brincadeira é alusão a um antigo comercial de biscoitos que perguntava se “são mais fresquinhos porque vendem mais, ou vendem mais porque são mais fresquinhos?”.
Para quem é enófilo(a), existe o mesmo paradoxo. Muitas vezes, temos uma comida em mente (ou escolhida) para a refeição que queremos acompanhar com vinho. Mas, em outros casos, finalmente queremos experimentar aquela garrafa que guardamos há tempos, em uma ocasião especial com nosso amor, família ou amigos, e ainda não houve definição do prato. Portanto, a resposta é: tanto faz. Por isso, temos algumas regras e exemplos para você acertar cada vez mais a combinação, independente de quem veio primeiro, seja a comida ou o vinho.
Existe um vinho ideal para tomar no inverno?
Como foi dito no início, a preferência maior nessa época é pelos tintos, apesar de ser possível sim aproveitar bem alguns tipos de brancos e rosés em dias mais frios, desde que bem pensados. Em geral, não tomamos estes estilos de vinhos no frio, assim como espumantes também, principalmente por ser mais adequado servi-los em temperaturas bem baixas.
Os tintos, em geral, são servidos a temperaturas na casa entre 16 e 20oC, mais reconfortantes nos dias de inverno em que não costumamos tomar coisas tão geladas. Também por isso, em muitos casos é mais agradável tomar um tinto quando vamos só sentar para ler um livro e beber um pouco no frio, e igualmente é prazeroso beber um espumante ou branco “trincando” num dia de muito calor no verão.
Veremos mais adiante algumas regrinhas para você saber o que escolher a cada ocasião. Além dos tintos, que já vimos acima, é possível combinar vinhos brancos barricados com comidas à base de queijos fortes, por exemplo, e até mesmo vinhos rosé mais encorpados e “sérios” (esqueça aqui aquele vinho “beira de piscina” para tomar gelado) com alguns pratos como risotos e massas.
Mas, lembre-se, a comida com a qual vamos harmonizar o vinho será importante também, e muitas das comidas de inverno acabam combinando melhor com vinhos tintos. Massas, carnes, ensopados, caldos, risotos e fondues estão entre algumas das opções mais queridas da temporada e, por terem inúmeras possibilidades de molhos, recheios e preparos, é importante saber os melhores “casamentos” entre prato e taça. Assim, você aproveitará ao máximo os almoços e jantares em dias frios. Aliás, os hermanos chamam o processo de maridaje e eu não poderia pensar em uma descrição mais adequada!
O que é harmonização de comida com vinho?
Não ligue para as pessoas que dizem que harmonização é “frescura”. Quem diz isso provavelmente é porque nunca realmente provou uma combinação bem feita ou simplesmente não dá bola para isso – e o fato de você estar aqui lendo a respeito do tema me diz que não é seu caso. Quando prato e taça estão em sintonia, ou “harmonizados”, o vinho melhora a experiência da comida e vice-versa, pois o que comemos eleva a degustação do vinho com outras sensações.
Veremos a seguir como isso acontece na prática. Mas, como as possibilidades são infinitas, o ideal é que você tente compreender algumas das razões principais pelas quais determinados vinhos harmonizam melhor com comidas específicas. Mas antes, vale reforçar alguns pontos:
- As dicas baseiam-se na experiência média das pessoas em geral;
- Colocar os aprendizados em prática ajuda a melhorar sua habilidade de escolher cada vez melhor;
- Experimentar coisas diferentes amplia o repertório – tanto coisas boas, quanto o que não fica legal;
- As preferências pessoais sempre serão o balizador mais importante para as melhores escolhas.
Então, não deixe de considerar seu próprio gosto (e de quem estiver com você a cada ocasião) e mãos à obra!
Se puder, conte com ajuda profissional para a melhor experiência possível
Antes de mais nada: se você estiver em um bom restaurante que tenha sommelier/sommelière disponível, peça ajuda! Um(a) profissional assim pode fazer toda diferença para uma escolha incrível e é isso que somos treinados para fazer. Em geral, o objetivo dessa pessoa é propiciar a melhor experiência possível para que você volte mais vezes, recomende e confie no que ela está fazendo.
Apesar de ser sim um papel do sommelier / da sommelière também garantir vendas de vinhos para o restaurante, “empurrar” uma garrafa inadequada para um cliente prejudica todo o serviço da casa, então usualmente não é isso que está acontecendo quando você recebe uma recomendação. E não precisa ter vergonha de dizer a faixa de preço que gostaria de gastar no vinho, pelo contrário: isso vai ajudar a indicar de modo mais assertivo os vinhos que realmente se adequam à sua comida, deixando você feliz.
Regras de harmonização para escolher como um(a) profissional
Vai ter que escolher por sua conta mesmo? Então preste atenção nessas dicas “de milhões” que profissionais usam na hora de recomendar um vinho em um restaurante. Talvez a mais universal seja, em geral, tentar harmonizar por similaridade. Na prática, isso quer dizer pensar nas características principais da comida e do vinho de maneira que elas combinem entre si. Pense sempre que:
- Pratos “pesados” vão bem com vinhos mais encorpados;
- Refeições ácidas precisam de vinhos com mais acidez;
- Comidas doces não costumam combinar com vinhos secos;
- Receitas com muitos condimentos requerem vinhos mais complexos também;
- Pratos típicos regionais em geral harmonizam bem com vinho da mesma região; etc.
Por que isso ocorre? Bem, imagine comer um prato de feijoada, super pesado e gorduroso, com um vinho mais leve e delicado, como um Pinot Noir. A comida vai “atropelar” o vinho, pois seus sabores são muito mais marcantes e pungentes. Nosso paladar fica saturado com coisas mais intensas, perdendo a sensibilidade para as mais sutis neste caso. É errado fazer essa combinação? De jeito nenhum, mas você não estaria aproveitando a melhor maneira de beber e comer em conjunto e ainda talvez desperdiçasse a experiência de um bom vinho, que vai “sumir” na combinação.
Isso não é tudo, claro. Existem exceções, como a possibilidade de fazer o que chamamos de harmonização por contraste (um exemplo clássico é um vinho de sobremesa ácido, como Sauternes, com queijo azul), harmonizar pratos com umami (pense em cogumelos, camarão ou queijos curados), ou então combinar vinhos doces com comida. Mas não iremos entrar em detalhes sobre essas mais complexas: focando no básico fica mais fácil de colocar em prática, sempre com o objetivo de deixar a comida mais saborosa e o vinho mais “redondo”.
Aqui estão as outras dicas de um profissional que você ainda pode ter em mente na hora de combinar comida e vinho
- Pratos salgados fazem o vinho parecer mais encorpado;
- Comidas ácidas dão uma sensação mais doce ao vinho e vinhos mais ácidos equilibram a acidez do prato;
- Comida mais salgada OU ácida faz o vinho parecer mais frutado e menos seco, amargo e ácido;
- Refeições mais gordurosas fazem o vinho parecer menos ácido e vinhos mais ácidos equilibram a gordura;
- Preparos picantes realçam o álcool do vinho e vinhos muito alcoólicos realçam a picância;
Assim, uma boa escolha para a feijoada do exemplo anterior seria um espumante com bastante acidez (por conta da gordura do prato). Não à toa, a bebida típica em uma feijoada é a caipirinha, extremamente ácida. Como alternativa, um tinto bem tânico como um Tannat, que parecerá menos seco com a comida, ou mesmo um Syrah, que tem uma nota típica de pimenta preta que poderia combinar com os temperos da feijoada. Ah, e vale lembrar que a melhor experiência é beber o vinho sem tomar água após comer – assim essas combinações funcionam melhor.
Exemplos de harmonização de vinhos com comidas de inverno
Já vimos as principais regras e a ideia aqui não é ser exaustivo em todas as combinações possíveis. Então, darei alguns exemplos de harmonizações entre algumas comidas típicas de inverno e suas melhores opções de vinhos.
Fondue de queijo, massas com molhos brancos ou recheadas e pizzas com queijo
Bastante gordura pelo queijo e sabor intenso nesses pratos pedem vinhos brancos encorpados, como Chardonnay, Chenin Blanc, ou mesmo um Sauvignon Blanc barricado, que teria boa acidez para equilibrar a gordura. Alguns Viognier de mais corpo e vários Riesling podem fazer bonito também neste pareamento.
Fondue de carne
Aqui também temos gordura, mas com mais “peso” no prato pela carne, cabendo um tinto de médio corpo e boa acidez como um Malbec ou Sangiovese, ou mesmo um Cabernet Sauvignon menos intenso. Um Syrah ou Cabernet Franc também podem combinar bem por conta dos molhos condimentados que geralmente acompanham o prato.
Massas com molho vermelho leve (ao sugo ou bolonhesa)
Vale apostar em tintos de corpo médio também e principalmente que tenham um caráter mais frutado, de preferência. Cabernet Sauvignon jovem, Merlot, Barbera, Garnacha/Grenache, Tempranillo ou até um Primitivo/Zinfandel menos encorpado, além de vários blends, acompanham bem o perfil do tomate predominante no molho.
Massas com molhos vermelhos mais encorpados e lasanhas
Neste cenário, os blends com Merlot e Cabernet Sauvignon costumam cair muito bem (como os vinhos de Bordeaux, na França). Assim como vinhos com Montepulciano, Nebbiolo, Syrah e alguns Cabernet Sauvignon mais encorpados que vão ajudar a equilibrar os sabores intensos do prato com muita afinidade.
Pratos com carnes grelhadas como protagonistas
Este tipo de prato também pede uma atenção nos acompanhamentos, que podem ser igualmente determinantes para a harmonização. Mas, em princípio vamos focar só nas carnes. Um bom Sangiovese combina muito bem com carnes de caça, pela acidez refrescante para a gordura do prato e um perfil que lembra especiarias, combinando com os sabores mais marcantes deste tipo de corte. No caso de carnes tradicionais, Cabernet Sauvignon, Malbec, Tannat ou Syrah costumam ser bons “coringas” para harmonização, além de vinhos à base de Touriga Nacional
Carnes ensopadas
Com preparos mais enriquecidos, são necessários vinhos mais encorpados também. Geralmente, tintos com mais taninos e acidez mais elevada, como Tannat, Cabernet Sauvignon ou mesmo Montepulciano, combinam com esse estilo de prato.
Caldos e sopas
Aqui precisamos ver qual é a base. Cuidado com aspargos, pois são muito difíceis de harmonizar. Caldos como cebola e caldo verde podem se beneficiar de um Sauvignon Blanc barricado ou sur lie, ou também um Riesling, no caso de caldos mais temperados. Tintos leves a médios podem acompanhar sopas, a depender da base do preparo do prato, como por exemplo Sangiovese e Cabernet Franc ou mesmo um Merlot menos intenso ou Pinot Noir mais estruturado.
Risotos e pratos à base de arroz
Se o risoto for de frutos do mar, é uma boa hora para tentar um rosé bem encorpado, como os feitos de Syrah por exemplo, ou alguns blends rosés de estilo francês. Para risotos como pera e gorgonzola, um branco um pouco mais frutado, como alguns Sauvignon Blanc, Riesling menos secos ou até um Pinot Gris podem cair bem, ou até um espumante com muito sur lie ou envelhecido/barricado.
Agora, se estivermos falando de um risoto com cogumelos, por exemplo, os vinhos de Pinot Noir são a escolha óbvia pela sua característica, às vezes meio terrosa e com um lado que lembra folhas molhadas, combinando com o umami do cogumelo. Um arroz de pato também combina com Pinots de mais corpo, assim como um vinho de mais estrutura à base de Sangiovese. Preparos de arroz caldoso mais intensos, como os com costela, vão ajudar você a desfrutar de um grande Cabernet Sauvignon ou Tannat.
Sobremesas
Existe um outro mundo de opções em vinhos doces para harmonizar com sobremesas. Mas talvez um dos mais tradicionais seja o vinho do Porto, em especial os Tawny envelhecidos, pelo seu alto teor de açúcar. Vinhos doces com mais acidez, como os Sauternes, também combinam bem com doces como creme brulée e outros de natas. Enquanto isso, alguns outros vinhos mais leves à base de Moscato Giallo, por exemplo, podem combinar com sobremesas como tortas de limão.
Para tomar sem comida
Existe uma “categoria” de vinhos que eu gosto de chamar de “vinhos de meditação”. Ela compreende aqueles rótulos que fazem você viajar nos pensamentos enquanto bebe (sem loucura! Só filosofia mesmo, OK?), sem precisar de mais nada acompanhando. Neste caso, acho que um dos ícones deste tipo de vinho, para mim, e que combina muito com o inverno são os Amarones. Eles passam por um processo diferenciado que os deixa mais adocicados e extremamente encorpados e alcoólicos. Isso faz com que eles evoluam durante o tempo que passam na taça e se tornem excelentes companhias para um dia frio e um livro e uma lareira!
Afinal: vinhos DE inverno ou vinhos PARA inverno?
Foi-se a época em que vinho nacional era sinônimo de coisa “meia boca”. Já faz mais de 2 décadas que um brasileiro testou e aperfeiçoou uma técnica inovadora na produção de vinhos finos. Essa técnica é chamada dupla poda (ou “poda invertida”). Murillo de Albuquerque Regina, então pesquisador na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, desenvolveu este trabalho após retornar de seu doutorado em agronomia na França. Lá ele percebeu que tínhamos na Serra da Mantiqueira o “clima certo na hora errada” para a produção de grandes vinhos, como ele viria a dizer depois.
Essa técnica permite inverter o ciclo das videiras, para que a frutificação ocorra em uma época diferente da sua natureza original. Com isso, foi possível produzir os chamados “vinhos de inverno”. Hoje, muitas vinícolas da própria Mantiqueira já conquistaram diversos prêmios internacionais de relevância com vinhos produzidos dessa maneira. Por isso, a técnica vem sendo implementada com sucesso em mais regiões do Brasil como o Centro-Oeste, Chapada Diamantina e outras. Assim, nosso país vem se desenvolvendo na vitivinicultura de qualidade, produzindo vinhos nacionais de dar orgulho. Inclusive, foi criada a Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno para qualificar e certificar vinhos produzidos dessa maneira. Portanto, falar de “vinho de inverno” hoje em dia remete a uma técnica específica
Não deve ser surpresa para ninguém que muitos vinhos de inverno são boas escolhas também para consumo na estação mais fria do ano. Porém, quando falamos de vinhos PARA o inverno, as possibilidades são inúmeras. É importante não confundir as duas coisas para seguir valorizando os produtores que vêm investindo muito no aperfeiçoamento e ampliação da técnica da dupla poda. Até porque, os vinhos de inverno também podem ter muito proveito no verão, já que Sauvignon Blanc, Viognier e outras uvas que resultam em rótulos muito refrescantes, também são produzidas através da poda invertida. Ao mesmo tempo, não é usual se referir aos vinhos de produção a partir do processo normal como “vinhos de verão” no mercado, então ao ver esse tipo de menção, provavelmente será alguma recomendação para tomar na época de calor.
Conclusão
Temos diversas maneiras de encarar essa linda oportunidade de harmonizar vinhos com comidas de inverno. Isso nos permite “brincar” com as opções para explorar caminhos novos até chegar naquela combinação ideal. Com as dicas que você viu aqui, espero que nas próximas ocasiões você consiga perceber um pouco melhor como funciona essa interação entre comida e vinho de maneira a melhorar ainda mais sua experiência e alegrar seus dias de inverno. Agora, você também terá mais conhecimento para fazer suas próprias escolhas dentro do que mais gosta! Assim, vai propiciar momentos mais inesquecíveis a você, amigos(as) e família!